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Take Away The Pain

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PurpleRadish's avatar
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Nazaré, 12 de Agosto de 1999

  Sim, eu sei. Bolas, sei que já te estás a rir da minha parvoíce, que dois anos depois ainda não aprendi a começar uma carta a sério. Que é que queres? Cada pessoa com as suas limitações, esta é a minha. Mas aqui vai um olá: Olá! E pronto, estás a rir-te outra vez da minha tentativa frustrada que até envolveu um ponto de exclamação. Eu já me habituei a que o início das minhas cartas pareçam a continuação de outra qualquer, e que tal parares de rir de mim?
  Então, andei a ler umas coisas esta manhã. Acordei cedo, tinha coisas pra fazer, mas pelo caminho passei pela caixa dos sapatos, tu sabes. Fiquei a ler. Cartas antigas, aqueles bilhetes de aulas, convites e bilhetes de autocarro. Deu-me saudade. Cada um daqueles pedacinhos de papel me lembrava uma pessoa e tu estavas em tantos. Eu sei que tenho as tuas cartas e tenho-te a ti, mas às vezes temos saudades mesmo quando não sentimos a falta de nada. Tenho um bocadinho de saudades tuas, daqueles primeiros tempos em que nos estávamos a conhecer. Cinco anos depois já não me lembro como é não saber algo sobre ti...
  Mentira. Uma das coisas que gosto nisto de te conhecer é, em cada carta, me lembrar de te perguntar algo que nunca te perguntei. Hoje é esta: quando eras criança, alguma vez tiveste um amigo por correspondência? É estranho nunca termos falado disso e praticamente só termos notícias uma da outra desta forma, mas a verdade é que não sei. Eu tive, durante algum tempo, e lembrei-me agora da estrutura das minhas cartas. Dizia olá (e nunca ninguém se queixou, minha grande tonta) e depois dividia o resto em "novidades" e "perguntas". Acho que um dia mais tarde hei-de deixar de me envergonhar destas coisas que fazia em criança e vou passar a achar-lhe piada. Vamos rezar.
  Se esta fosse uma dessas cartas, o campo "novidades" seria uma enorme reticência. Apetece-me dizer aquilo que nos proibimos de dizer uma à outra, posso dizer baixinho? Fazes-me falta aqui. Pronto. Desculpa. Aqui é só um enorme grupo de pessoas que parece que falam outra língua totalmente diferente, e que nem a linguagem corporal eu entendo. Ou, melhor ainda, entendo o que dizem e fazem, mas não me sei expressar na linguagem deles. Só às vezes. Uma coisa ou outra. Mas não basta, sinto-me menos sozinha quando estou sozinha, que irónico. Podíamos tentar vermo-nos, um dia destes? Estava a fazer-me falta, eu sei que é difícil, mas que tal fazermos uma loucura? Eu falto às aulas, entro no comboio e vou aí parar. Nem precisas de faltar ao trabalho, eu sento-me numa cadeira à tua frente e fico lá sem incomodar. Porque eu sei falar a tua língua, ou pelo menos sabia na última vez. Jesus, já foi há tanto tempo. Isto de ignorarmos o que somos juntas, e só libertarmos tudo o que queremos dizer através destas cartas semanais acaba por fazer parecer a saudade menor, a vontade de te abraçar menor. É preciso parar para pensar para me aperceber que a última vez que te vi foi há já mais de sete meses...
  Ultimamente tenho andado a pensar... uma daquelas coisas por que me batias se pudesses. Tenho medo de já não saber falar a tua língua (e agora ia escrever "tu entendes" porque sim, tu entendes, mas isso ia tornar-se terrivelmente confuso no contexto da frase, apesar de tu perceberes, porque percebes e percebes sempre, eu é que tenho medo de perder a habilidade de me conseguir explicar, de não conseguir actuar em modos que me consigas entender até àquela profundidade a que estou habituada).
  Já me perdi. Mas sim, tenho medo. Porque me marcaste e podes mesmo assim não ser amanhã a "mais especial" mas não é por eu não querer, é porque a vida dá voltas. Mas eu juro-te (e as promessas que já desisti de fazer são bem mais impossíveis de evitar do que nós pensamos) que vou amar-te para sempre e vou fazer o possível e o impossível para que tudo resulte entre nós. Seja à distância ou bem perto. Da maneira que for (vê os rascunhos das tuas cartas. Plagiei-te. Mas só porque descreves perfeitamente, tudo).
  Acreditas que te amo, não acreditas? Esta nossa relação, que mais parece uma enorme brincadeira, fingir que és só mais alguém durante a semana, e depois ao Domingo pegar num pedaço de papel e dizer-te tudo, eu sei que magoa, eu sei que tantas vezes é insuficiente. Mas sabes que é necessário, não sabes? Eu sei que sim. Eu sei que se não fosse eu a sugeri-lo, terias sido tu. Tu sabes, eu sei. Depois, depois disto tudo, temos o resto da vida para construirmos as nossas cabanas na árvore com espaço para os livros emprestados...

Esperas por mim?
                                                                                                                 Amarela

P.S. – o senhor dos correios continua a olhar-me com um ar estranho sempre que me entrega as tuas cartas. E que vontade de me rir na cara dele. É engraçado o que as pessoas pensam sempre, se fosse filósofa desenvolvia aqui e agora um (outro) texto sobre as diferenças entre a aparência e a realidade. Mas vou poupar-te, não te preocupes...
Já esteve na galeria, foi para os Scraps e vai voltar outra vez para aqui. Porque esconder, para quê?





All the memories that I have of us before,
Do I really have to let you go?
Do I really have to?

When someone you love dies
You never question where they've gone
Like landscapes under snow
They're blocks you build more life upon
They're the corner of your eye
Their quiet arms still comfort you
Do I really have to?

Do I really have to let you go?
Do I really have to?



Só queria que soubesses que este, é pra ti. 02.07.05




:unimpressed:
Comments8
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sumarlegur's avatar
lembra-me um poema onde escrevi:

acredito (e sei)
que nunca vais ler estas palavras,
talvez por nos termos perdido
no caos dos lábios
ou por nunca termos falado
a mesma linguagem,
mas são tuas; sempre o foram.


gostei muito de ler.